O desporto na terceira idade


Em 1997, o médico brasileiro Alexandre Kalache e a cientista política alemã Ilona Kickbusch apresentaram no mundo científico pela primeira vez o conceito de capacidade funcional, direcionado, especialmente para a terceira idade, sendo um importante indicador de saúde que retrata a capacidade de a pessoa realizar as atividades quotidianas que permitem à pessoa cuidar de si e viver de forma independente. Este fator foi traduzido ao longo da vida humana como verificamos no gráfico produzido pelos mesmo autores, em que é plenamente visível a janela de oportunidade da capacidade funcional que um individuo poderá alcançar se não adotar hábitos e um estilo de vida saudáveis, e mais propriamente uma prática física regular, que no pior dos cenários levam a casos extremamente agudos de dependência de terceiros para as tarefas básicas do dia a dia.

Neste seguimento, a Organização Mundial de Saúde introduziu o termo de envelhecimento ativo que se define pela mesma entidade como o processo de desenvolver e manter a capacidade funcional que permita um bem-estar na terceira idade, e para atingir o estatuto de envelhecimento ativo não podemos descurar da prática desportiva na terceira idade já que desporto é saúde e para as pessoas envelhecerem com saúde necessitam da prática de exercício físico.
Contudo, apesar de toda a literatura, toda a informação disponível, ainda se verificam níveis residuais de prática de exercício físico nesta faixa etária, o que nos leva a questionar os motivos da descredibilização da prática de desporto, o porque de os idosos não aderirem a práticas desportivas. Tentaremos analisar estas questões segundo o trabalho das investigadoras da Florida Atlantic University no estudo publicado "Barriers and motivations to exercise in older adults" em que procuraram encontrar as principais justificações para não praticarem e as soluções para trabalhar a predisposição das pessoas mais velhas para a prática de exercício físico.
Especificidade da população idosa

Primeiramente, é importante referir que no que toca à prática desportiva a população idosa constitui um grupo com uma certa especificidade, já que muitas vezes associam a prática de exercício físico aos adultos jovens em todos os termos como é praticado pelos mais jovens, o que não se verifica verdadeiro, já que a atividade física é muito versátil, existindo exercícios adequados a todas as idades. Outras razões são o facto de os idosos considerarem a prática desportiva como algo recreativo em vez de uma terapia médica necessária para a manutenção de um estilo e vida saudável e com isso consideram também que o tempo despendido na prática desportiva é extenso visto que muitas vezes tem de se deslocar para os locais propícios à prática de desporto, também podemos considerar a ambiguidade das instruções do ramo médica quando indicam às pessoas que necessitam de ser mais ativas fisicamente, mas sem qualquer aconselhamento personalizado, nem na indicação da procura de um profissional do desporto que irá adaptar da melhor maneira a prática desportiva à pessoa em questão.

Podemos considerar também alguma iliteracia desportiva pela população idosa que tende a considerar que muitas vezes os efeitos provocados pelo desporto são mais negativos do que positivos, como suor e as dores musculares, e também visto se tratar de população mais idosa com vivências distintas dos tempos atuais em que vivemos, em algumas culturas, as mulheres tendem a considerar que o exercício não é algo que deva ser realizado por estas. Por estes motivos é que devemos ter em atenção os a baixa cultura de prática desportiva na população idosa e combater a desinformação e incentivar aqueles que nos são mais próximos a adotar uma prática física regular.
Barreiras à prática desportiva na população idosa
Como em todas as faixas etárias, o exercício cria muitos anticorpos visto que "cansa muito", e na terceira idade as escusas para não praticar desporto são ainda maiores, e como tal o leque de justificações também se alonga e muito neste contexto.

Ao contrário dos adultos mais jovens que julgam que a falta de tempo é a justificação mais aceitável para não praticar exercício físico, os mais velhos invocam questões de saúde para não praticar exercício físico, também muitas vezes põe em causa o ambiente circundante relatando falta de condições adequadas à sua volta, como falta de espaços lúdico-desportivos, ou até mesmo condições sociais como evitar praticar sozinho ou com pessoas que não conhece e até mesmo das condições do quotidiano circundantes, como falta de transportes público para os estabelecimentos desportivos. A falta de promoção do desporto pelos profissionais da área, ou indicações muito ambíguas por parte dos profissionais de saúde que deixam as pessoas confusas naquilo que devem realizar ou não.

Os traumas da prática desportiva na infância também são referidos algumas vezes em que em criança eram ou obrigados pelos pais a praticar desporto ou tiveram alguma experiência traumática durante a prática desportiva, uma lesão, ou uma memória menos positiva, faz com que na idade adulta mais avançada tenham receio de voltar a praticar atividade física. E o fator mais observado trata-se a falta de conhecimento físico e de uma cultura desportiva regular na sociedade em que vivemos que não é estimulada pelas autoridades que tem o poder para o fazer, tendo um efeito transversal em todas as faixas etárias, e não só na terceira idade.
Estratégias para promover a prática desportiva na terceira idade
Embora os baixos níveis de prática desportiva na terceira idade, não podemos tomar por perdida a batalha contra a desinformação e então os futuros profissionais do desporto e aqueles que tem as competências para tal, necessitam de consciencializar toda a população dos benefícios da prática desportiva e da sua indispensável função na prevenção de doenças. Pelo que o principal papel que os profissionais do desporto tem de assumir na nossa sociedade tendo em conta o seu conhecimento técnico multidimensional é a educação de toda a comunidade com casos práticos que mostrem a eficiência e a relevância do desporto, devendo ser o mais personalizados ao estado de saúde da pessoa, para que esta perceba que a sua vida poderá melhorar com o exercício físico.

A promoção de programas de treino com vista a objetivos, graduais para que as pessoas sintam um maior prazer na prática desportiva com a atribuição de objetivos, por exemplo, uma avó que não tenha capacidade funcional para brincar com os seus netos, ser orientada de modo a reverter a tendência de declínio da funcionalidade humana e com um programa de treino ser capaz de conviver ativamente com os seus netos. Também é vantajoso falar dos custos que a prática de exercício poderá acarretar, visto que muitas vezes os idosos não praticam desporto com o medo dos custos adicionais que isso possa causar à sua carteira, bem como a ideia que estes tem acerca da segurança da prática desportiva, em que sentem muitas vezes que o exercício é algo inseguro a se fazer, pelo que na prática de exercício físico sejam adotadas mecanismos de aquecimento e arrefecimento para reduzir o risco de lesão dos mais velhos, e consequentemente à segurança, adotar atividades adaptadas e os equipamentos a ser utilizados também são um importante fator que transmite segurança aos idosos.

É claro que com o avançar da idade, algumas doenças poderão aparecer, como diabetes e hipertensão, pelo que utilizar o exercício físico como "medicamento" poderá causar um impacto positivo na pessoa ao começar a ver resultados. A utilização de prescrições de treino por parte dos profissionais de desporto, sem descurar os aspetos como a capacidade funcional de cada individuo e uma maior acessibilidade a estes instrumentos, sendo também um dever dos profissionais do desporto de serem vetores motivacionais dos mais velhos transmitindo-lhes confiança e empoderamento para que estes se desafiem cada vez mais, são aspetos muito importantes que impulsionam a motivação da população mais idosa.

Ter uma abordagem social do desporto também é crucial visto que nestas idades muitos idosos já não tem contacto com as suas famílias, ou vivem sozinhos e estão sozinhos o dia todo e podem encontrar na prática desportiva um ponto de encontro entre mais pessoas que estejam na mesma situação, em que um exemplo de como combater a solidão na terceira idade são os programas municipais de desporto sénior em que são de extrema importância quer para ajudar a parte física dos idosos, bem como a parte mental, criando pontos de socialização entre as pessoas mais velhas para que não se sintam sozinhas, funcionando também como uma terapia ocupacional.
Em suma, os idosos constituem uma população com uma especificidade singular, com fragilidades, pelo que é dever de toda a sociedade cuidar deles, visto que foram estes que criaram as gerações mais novas e contribuíram para a sua formação, sendo um pilar da nossa sociedade atual.

Referências bibliográficas:
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- World Health Organization. (2020). Healthy ageing and functional ability. World Health Organisation. https://www.who.int/news-room/questions-and-answers/item/healthy-ageing-and-functional-ability
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