Desenvolvimento moral e fair play no desporto

O desporto pode e deve ser um lugar de crescimento e aprendizagem. A sua importância não se circunscreve ao domínio das aquisições motoras, prolongando-se necessariamente às questões éticas, afetivas e sociais desenvolvidas em contextos de formação estruturados, especificamente, para esses fins (Mesquita, 2004). A prática desportiva obriga a comportamentos, atitudes e tomadas de decisão constantes baseadas em valores. Tem um sentido normativo implícito (Queirós P. et al, 2021). Seja como praticante ou até como espetador, o desporto pode ter influência no desenvolvimento moral de alguém, de preferência positiva, mas que também pode ser negativa.

Os comportamentos no desporto podem ser vistos de duas perspetivas: os prossociais, caraterizados pela procura em ajudar ou beneficiar os outros (ex: um ciclista espera pelo seu adversário, após este ter sofrido uma queda) ou antissociais, que incluem tentativas de causar uma desvantagem ou magoar os outros (ex: os pênaltis simulados no futebol).

Os comportamentos prossociais e de fair-play devem ser reforçados. Os treinadores e os pais devem enfatizar estes comportamentos, congratular quem os faz e usá-los como exemplo para o resto da equipa. Aquilo que é correto deve ser enaltecido. Um exemplo de uma medida que promove esta conduta é o cartão branco, que visa reconhecer, destacar e recompensar as atitudes e comportamentos eticamente relevantes praticados por atletas, treinadores e dirigentes, entre outros agentes diretamente envolvidos no jogo, e, também, os espectadores (IPDJ). É aplicado em diversas modalidades e escalões. O Cartão Branco resulta de uma parceria entre o PNED-Plano Nacional de Ética no Desporto (Instituto Português do Desporto e Juventude, IP), a CAJAP-Confederação das Associações de Juízes e Árbitros de Portugal e a Coca-Cola.

Já os comportamentos antissociais devem ser evitados e repreendidos ou penalizados quando acontecem. Devem servir para reflexões, para abordar novas perspetivas de agir. Devem ser contrapostos com os comportamentos alternativos e corretos a tomar para cada situação.

Relembrando, segundo a teoria do desenvolvimento moral de Kohlberg, as pessoas evoluem moralmente através de seis estádios, pertencentes a três níveis. Avançam sequencialmente os estádios, desde uma moralidade egocêntrica, baseada no evitar do castigo e nas suas próprias necessidades, para fazer o que está certo para um grupo e para o bem-estar da sociedade e, por último, desenvolvem um pensamento abstrato, agindo de acordo com aquilo que a sociedade acredita estar certo para cada indivíduo e podem chegar mesmo a considerar o valor de cada indivíduo igual e superior à sociedade.

No desporto podemos verificar estes estádios de desenvolvimento. Os atletas mais novos muitas vezes guiam as suas ações no sentido de evitar que o treinador ou os pais os castiguem. Fazem as coisas em torno de si e esquecem um bocado a equipa ou os adversários. Os atletas um bocado mais velhos já pensam mais no grupo e agem de maneira a estarem integrados nele e com base nas expectativas que têm de si. Já os atletas em idades mais avançadas, fazem as coisas com bases nos valores que acreditam ser o correto para qualquer pessoa. Mesmo que isso traga a sua própria equipa contra eles ou o público, alguns valores que acreditam ser absolutos, guiam as suas ações.

Mas não nos podemos esquecer que o desporto é um lugar de emoções, de decisões rápidas. Muitas vezes os jogadores são pagos para o fazer, representam uma instituição ou um grupo de pessoas. As suas ações podem influenciar outros, quer positivamente, quer negativamente. Existe uma expectativa sobre eles e uma ideia de como se pratica certo desporto. Classificar o desenvolvimento moral com base numa ação ou decisão que alguém tome durante um jogo ou competição, pode ser um redutor e enganador, já que podem haver muitos fatores à mistura. Classificar as ações em prossociais ou antissociais também pode ser enganador, porque aquilo que pode afetar uns (antissocial) pode beneficiar outro grupo (prossocial).

Seja como espectadores ou como praticantes, o desporto pode ter um impacto grande no desenvolvimento moral de alguém. 

Como espectadores, vemos as ações que outros tomam e o que daí advém. Os jogadores servem como exemplo, colocando-nos a imaginar o que faríamos se tivéssemos nessa situação. Alguém que é uma referência a praticar o desporto e serve como modelo a jogar, também pode servir como modelo a agir, o que pode ser bom ou mau. Bom se nos der exemplos de coisas boas ou mau no caso contrário.

Já como praticantes, defrontamo-nos constantemente com tomadas de decisão. Vemos os nossos colegas a agir e pensamos sobre o que deve ser ou não feito. Os treinadores podem causar ou aproveitar situações, para refletir, guiar as ações e levar ao desenvolvimento moral dos atletas. O desporto é um espaço de interação social, e é, principalmente interagindo, que formamos as ideias do que é certo ou errado, que construímos a nossa identidade e que aprendemos a ser empáticos, a pensar no outro, mas também a perceber o que é bom para nós.

Concluindo, o desporto é um lugar de constante interação social, onde os valores morais são sempre postos à experiência, pois inclui um constante tomar de decisões. Pode ser um espaço onde se aprende a viver em sociedade e a ser melhores cidadãos, mas aonde também se pode vivenciar grandes atrocidades entre pessoas, atletas e fãs.

Referências bibliográficas:

• Mesquita, I. (2004). Refundar a cooperação escola-clube no desporto de crianças e jovens. In: A. Gaya, A. Marques, G. Tani (eds.) Desporto para Crianças e Jovens (eds.). Porto Alegre: Editora da UFRGS, pp. 143-170.
• Queirós P. et al (2021). Pedagogia e Didática do Desporto. PNFT-Manuais de formação de grau I. IPDJ
• IPDJ. Cartão Branco. Disponível em https://pned.ipdj.gov.pt/caracterizacao