Auto-regulação: Treinar a mente para o sucesso
Autorregulação, definida no dicionário da língua portuguesa como:
- Ato ou efeito de se autorregular.
- Propriedade de algo ou alguém que se regula a si próprio sem ação externa.
- Estabelecimento ou verificação de regras feito pela pessoa ou entidade que está a ser alvo de regulação nesse momento.

Ajuda-nos a iniciar uma primeira abordagem a este conceito tão importante na vida humana que muitas vezes escapa a tantas pessoas e cujo o efeito é poderoso. Tal como verificamos, trata-se da capacidade que um indivíduo tem de se controlar a si mesmo, podendo também ser classificada como autocontrolo. Num contexto mais prático, podemos dizer que autorregulação trata-se de anular o prazer instantâneo para que mais tarde seja muito mais gratificante esse acontecimento, por exemplo, numa dieta alguém pode passar uma semana sem comer um doce ou fugir à dieta porque sabe que no fim de semana poderá comer como bem quiser, é apenas um exemplo para contextualizar aquilo que se entende por autorregulação ou autocontrolo.

Já nos anos 70, o psicólogo americano Walter Mischel aprofundou o seu trabalho neste conceito, e o modo como influencia este campo da psicologia comportamental com um estudo que ficou conhecido como o "Teste do marshmellow" em que utilizou crianças, em que lhes dava um marshmellow e indicava-lhes que se num intervalo de 15 minutos não o comessem iriam ter um segundo marshmellow, e assim perceber até que ponto as crianças estão dispostas a esperar pelo segundo marshmellow. Um dos resultados observáveis no estudo foi o facto de que aqueles que definitivamente esperaram pelo segundo doce, foram igualmente aqueles que mais tarde teriam uma maior probabilidade de êxito na vida, realçando o facto de que a capacidade de autocontrolo de cada individuo está fortemente correlacionada com o sucesso.

Esta noção pode ser aplicada em diversas áreas de atuação do dia a dia das populações estando associada como a chave da consistência que leva ao sucesso, isto porque um individuo dificilmente consegue controlar os fatores externos que o rodeiam, porém consegue facilmente "controlar" a sua mente que o "controla" e assim ser o pilar do seu desenvolvimento como ser humano, resistindo a todas as tentações provenientes de uma sociedade de consumo, sendo mais fácil assim destacar-se dos restantes mortais, por exemplo, quando alguém gosta de comer alimentos prejudiciais à saúde, sabe que provavelmente se continuar sempre assim e não praticar exercício físico corre o risco de desenvolver obesidade, e então como não consegue controlar a sua própria mente, mais facilmente cairá nas tentações e irá estar a prejudicar a sua saúde e a sua vida, outro exemplo que podemos tomar é o nervosismo antes de algo importante como um exame ou teste, se não conseguirmos controlar a nossa mente a probabilidade de estarmos sempre a pensar que não vamos conseguir será grande o que irá fazer com que em vez de estarmos a pensar na resolução do exame iremos estar a pensar que não somos capazes condicionando o nosso conhecimento e posteriormente o resultado.

Estes dois exemplos são claros de situações que acontecem no quotidiano das pessoas, contudo, temos de considerar também a existência de distúrbios mentais que condicionam a nossa capacidade de autorregulação, como a ansiedade, stress, distúrbios alimentares, mas estes não podem constituir uma desculpa para que cada indivíduo não procure ajuda, que não cuide de si e não tente ser sempre a sua melhor versão enquanto ser humano. Ou seja, sim, existem distúrbios que influenciam a autorregulação, mas também existe os mecanismos de ajuda necessários a ultrapassá-los, logo que não podem constituir uma desculpa para que o individuo não se autocontrole.
Autorregulação para e fruto do desporto
Já no contexto desportivo podemos ter em conta a autorregulação como algo que é crucial para o sucesso desportivo, porém que também advém do processo de treino e da sua consistência, isto é, além de ser útil, também é treinada em contexto desportivo.

Como muitos referem, a consistência é a chave para o sucesso, logo a autorregulação assume um papel ímpar na disciplina de treino, já que sem esta não se criam rotinas de treino que potenciem a performance, é claro que muitas vezes alguns atletas profissionais, ou até mesmo amadores com objetivo de melhorar a sua condição física, seja em que desportos for, em certos dias podem não ter muita apetência para treinar devido a vários motivos, mas muitas vezes o fazem por ser algo já intrínseco à sua natureza que foi sendo trabalhado e aprimorado durante anos de prática desportiva, por isso muitas vezes se refere aos atletas como seres humanos com muita força de vontade e disciplina, visto que o desporto é um importante catalisador dessa área comportamental.

Um exemplo que podemos tomar que tanto funciona para a otimização do autocontrolo, quer para a importância da autorregulação é um ciclista que mesmo num dia com condições climatéricas adversas, sai para a rua para treinar, estando sujeito a um perigo maior comparado com um dia de céu limpo, como a pouca visibilidade, o vento forte, o piso molhado e algumas vezes com óleo, o que pode levar a quedas e consequentemente lesões, e também provoca constrangimentos a nível físico, a roupa molhada no corpo e o frio, muitas vezes isto acontece porque o ciclista não consegue ficar em casa sem treinar, ou seja, fruto do seu autocontrolo que abdica de ficar no conforto para sair para condições menos favoráveis porque irá evoluir a sua condição.
É importante que a autorregulação seja trabalhada desde as idades mais jovens, mas também é onde é mais difícil trabalhar. Os mais novos têm mais dificuldade em imaginar o processo a longo prazo, talvez vejam mais cada treino como um jogo ou uma prova e não como preparação para um objetivo maior. Os treinadores e pais devem ter um papel ativo a promover a autorregulação dos mais jovens, antecipando comportamentos que procuram o prazer imediato, mas que retiram a vitória a longo prazo e reforçando os comportamentos que desejam para os jovens. Ajustar a noção do que é ganhar ou fazer certo pode ser uma boa estratégia para os mais jovens ou os mais velhos. O exemplo disso pode ser num desporto como o remo: por vezes, correções técnicas da remada, levam a uma diminuição do andamento do barco enquanto o atleta ainda não está adaptado a elas, mas que a longo prazo permitem um andamento superior aquele que o atleta alguma vez conseguiria com a anterior técnica. Explicar ao atleta esta noção e referir que a vitória durante um certo período é ele conseguir cumprir a técnica, não dando atenção à velocidade, é o exemplo de uma estratégia que um treinador pode tomar.
Como referido, a capacidade de autocontrolo varia com a idade do atleta. Principalmente não conseguem estar sempre a abdicar da congratulação instantânea, em prol de ganhar no futuro. É importante haver um equilíbrio. O treinador pode provocar momentos em que o atleta pode procurar o prazer imediato, mas alternar com outros em que a dificuldade do momento, trará facilidade no futuro. Para fazer que o atleta perceba a importância do seu autocontrolo, pode de tempos a tempos fazê-lo pensar sobre a sua evolução e como a maneira como se regulou levou a esses resultados. Noutras etapas de desenvolvimento mais avançadas, os atletas já têm mais facilidade em perceber a importância de se autorregularem, mas reforçar esse comportamento continua a ser importante.
Concluindo, através do desconforto instantâneo provocado pela prática desportiva, adquirimos um conjunto muito importante de valências que cooperam em conjunto para melhorar a nossa autorregulação que irá ter influência nas mais diversas áreas da nossa vida.
Referências bibliográficas:
- "autorregulação", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2024, https://dicionario.priberam.org/autorregula%C3%A7%C3%A3o.
POLAK, L. Experimento Marshmallow: 40 Anos de Pesquisas nos Mostram como Vencer a Procrastinação. Disponível em: <https://medium.com/@lpprodutividade/experimento-marshmallow-40-anos-de-pesquisas-nos-mostram-como-vencer-a-procrastina%C3%A7%C3%A3o-3b9c59c892b2>.
MISCHEL, W.; SHODA, Y.; RODRIGUEZ, M. Delay of Gratification in Children. p. 993, [s.d.].